20 de fevereiro de 2010

Heróis de cabeceira - O Pastor




Na viagem da minha vida, já passeei por muitos cenários: cheirei as flores coloridas dos prados dignos de contos, tropecei entre as pedras de vales montanhosos, sempre frios, e fiquei presa em areias movediças de pântanos que só quero esquecer.

Em todos estes lugares, aprendi que pouco há que seja permanente, que nem sempre o aparente é real, e que, por muito cansada que estivesse da viagem, seria difícil algo fazer-me parar efectivamente. Cada espinho cravado nas plantas dos pés deixou cicatrizes, mas depois de saradas ficaram lá mesmo, debaixo dos pés.

Nas últimas jornadas de viagem, tenho vindo a caminhar por uma floresta, tão escura quanto densa e confusa. Os sons confundem-se com os cheiros, a vontade de parar com a de partir. Ninguém viaja verdadeiramente sozinho, mas passar pela floresta tem-me feito sentir que avançar ou recuar pode depender muito de mim, de saber que caminho quero percorrer.

Enquanto decifro as sombras escuras à minha volta, vou sentindo a dor de quem vai descalço e calca as raízes duras de uma árvore que já há muito definiu o seu território; não estou em casa. E vou-me abandonando a pensamentos mais ou menos infrutíferos, de quem muito pensa e pouco sabe como agir.

Há algum tempo, enquanto tentava perceber por onde caminhar, encontrei um pastor. Habituado, talvez, a reconhecer ovelhas desorientadas, caminhou um pouco comigo, sem fazer verdadeiramente alguma coisa. Não sei se estava consciente disso, mas apenas alguns passos bastaram para que me ajudasse, só com a sua presença. Falou-me um pouco, querendo saber o que estava eu a fazer naquele pedaço de caminho. Ele, soube-o depois, estava ali de passagem, por acaso; eu, estava só caminhando, e caminhando só, à espera que novas paisagens surgissem no horizonte. 

Não sei dizer porquê, mas este pastor fez-me pensar que talvez consiga sair em breve desta floresta escura; que sou capaz de caminhar mais um pouco, porque o cansaço da viagem não pode ser maior do que a ânsia por ver a meta. Afinal, se ele estava ali só de passagem, é porque também este cenário não é permanente. Vou somando cicatrizes, é um facto, mas também vou colhendo frutos bons desta viagem. 

E vou descobrindo que os heróis não vivem só nas histórias para adormecer; podem percorrer connosco parte do caminho. 

Eu tenho um novo herói de cabeceira, que se junta a outros de quem falarei um dia. Se esta história não tem propriamente um fim, talvez seja porque ainda não sei para onde caminho. E agradeço ao Universo que não me tenha deixado caminhar sozinha. 

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